sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Poesia do Natal

Paulo Mendes Campos
Há pessoas sensíveis e tímidas como os elefantes: quando a falta de saúde as desequilibra, quando uma doença qualquer vem colocá-las em uma situação de inferioridade em meio ás outras, escondem-se e se fecham em um silêncio de bicho.
Há pessoas antigas, belas e fora de moda como grandes relógios de mogno; não combinam com nossas mobílias de madeira compensada; não cabem em nossos apartamentos, em nossas idéias, em nossas emoções; nós as respeitamos, intimidados, porque os compassos de um relógio antigo marcam dois tempos irreconciliáveis.
Há pessoas lúcidas, devoradas por uma bola de fogo; capazes de uma tristeza seca, sem o consolo de enternecimento; e, no entanto, muitas delas nunca leram sequer uma página de Sthendal; consomem-se sozinhas, nessa deslumbrante e cruel supremacia do espírito.
Há pessoas (e não minto, eu vi) que, ao tomar um bonde, são esmagadas pelas inexoráveis relações cósmicas; a energia é igual à frequência da radiação multiplicada pela constante de Planck; e esta (ó espaços constelados!) é 0000000000000000000000006624.
Há pessoas e pulmões excelentes e sem poesia, que fazem lembrar, todavia, o pobre Anto: em Paris, sentem saudades da pátria; na pátria, sentem saudades de Paris.
Há pessoas maltratadas dia a dia, hora a hora, instante a instante, pela sede de justiça. Ah, como sofrem! Ah, como se crispam! Ah, como desejam a aparição do Nêmesis!
Há pessoas que configuram a terra como um recado que transmite de orelha a orelha. De homem para homem, de coração a coração. Dormem inquietas, e levantam-se ao primeiro apelo da aurora, e vão ver, através do nevoeiro da vidraça, se a verdadeira ave de fogo vem voando.
Há pessoas que morrem tão devagar, tão sem vontade que envenenam o carinho de toda a família. Coitadas!
Há pessoas que ficam doendo com a lembrança de outra pessoa, entra ano, sai ano, virando e revirando o caleidoscópio, olhando como caem e se dispõem as cores e os cristais do sofrimento.
Conheci uma pessoa que fechava os olhos no cinema quando aparecia corrida de cavalos. Tinha uma piedade enorme dos animais.
Há pessoas que têm olhos grandes e assustados como os de santa Luzia, que padeceu o martírio sob o cônsul Pascassiano.
Muitas pessoas. Arthur, que fugiu para a África; Hermano, que perseguiu a baleia; Maria, que entendeu o sentido do sol rubro entre névoas; Jaime, que se correspondia com objetos; Maurício, que descreveu Maria em livro; Vladmir, que foi uma tormenta; Menezes, destroçado na colina; José, João, Antônio... Com elas todas, divido o pão e a triste poesia do Natal, com elas compartilho o meu vinho, o vinho intenso da terra.

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