segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

"DEUS NÃO PERTENCE A NENHUM POVO"



É preciso reconhecer a sapiência e o equilíbrio, principalmente em um mundo de senhores e servos, comandado pela hipocrisia e por sentimentos anticristãos.

O papa Francisco vem desempenhando um papel digno à frente de sua Igreja. Ninguém precisa ser católico para admirá-lo.

Vem caminhando em defesa das mais simples ovelhas do rebanho de Cristo, ao contrário de quase todos os que o antecederam (com a honrosa exceção de João Paulo II).

Não por outras razões que se encontra em curso processo de deposição de Francisco do trono de Pedro, impeachment inédito na Igreja Católica.

Orquestrado por influentes cardeais, que do recôndito de suas vestes carmins nutrem explícita saudade dos tempos medievais, onde a Santa Inquisição por eles manejada impunha sua vontade.

É o poder pelo poder, tão caro às mentes depravadas que insistem em falar como sucedâneos de Cristo, que pregou pelo mundo exatamente o desapego ao poder e o amor pelos mais pobres.

As tentativas que ensejavam repercutir suas mensagens foram torpedeadas pelos que se assenhoraram de seu legado, a exemplo da Teologia da Libertação nos anos setenta do século passado.

João Paulo I e Bento XVI censuraram o movimento, punindo clérigos como Leonardo Boff e outros pela insurreição aos preceitos de domínio e exercício do poder, tão a gosto da Santa Sé.

A tese protestante, surgida exatamente por discordar dos princípios medievais católicos, condenando a venda de indulgências, a vinculação com o poder político, o apego à riqueza terrena, a suntuosidade dos templos, a manipulação dos fiéis e a apropriação pelos padres dos ensinamentos de Jesus, faz hoje o contrário.

A irresignação de Lutero, Calvino e outros de boa fé que idealizaram o rompimento com os padrões católicos tem como pano de fundo o combate ao que vemos em nossos dias, orquestrado por diversas igrejas ditas “evangélicas”.

Ao contrário de manter viva a fé e os ensinamentos de Cristo, envergonham a todos nós e jogam na lama a Bíblia e suas palavras de amor e despojamento.

Assenhoraram-se de Deus, a ponto de publicar em outdoors que ele “fará” os desejados milagres, claro, ao peso de sucessivas contribuições pecuniárias.

Não satisfeitos, alguns líderes hipotecaram adesão de seus membros ao governo eleito, garantindo presença no comando do país, a exemplo da igreja medieval.

No meio de todo esse lodaçal surge uma figura merecedora de reverência e profunda admiração. Combatendo toda essa estrutura poderosa é considerado “comunista” por aqueles cujo cérebro tacanho não permite enxergar a realidade (ou prefere o exercício da hipocrisia).

Sua visão límpida e isenta de vícios mundanos é como farol na tempestade, iluminando a escuridão e ferindo inconfessáveis interesses.

É como diz o Sumo Pontífice: “DEUS NÃO PERTENCE A NENHUM POVO”.

Não pertence mesmo.

Não é dos judeus (como defendem muitos), não é dos poderosos (como desejam outros), não é da igreja católica (como pregam bispos e cardeais), não é dos protestantes (como pretendem inescrupulosos líderes).

Mas poderá ser de qualquer um, desde que atendidas duas condições principais: o amor e a simplicidade, ambos tão em falta neste mundo.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

domingo, 9 de dezembro de 2018

ECLIPSE SOLAR - A ESCURIDÃO QUE NÃO PERMITIREMOS


Era uma vez alguém que enxergou na cultura brasileira o caminho de nossa independência e realização como povo e fundamentalmente como nação. Esse era João das Neves, que em sua vida respirou teatro e musicais, enriquecendo a cena cultural deste país.

Prêmio Molière? Vários. Outros prêmios? Um monte deles. Grupos de teatro? Fundou um dos mais importantes: o Opinião. Boas companhias? Dirigiu Milton e Chico, dentre outros. Casamento? Com a nossa mineiríssima Titane. Atitude política? Em todo o seu histórico, mesmo sob o jugo da ditadura militar.

Virou estrela, como diria o Tutti. Mas deixou o imenso rastro de sua passagem por aqui. Agora, nada mais coerente que dar à luz um novo teatro em BH: é o TEATRO JOÃO DAS NEVES, ali na av. dos Andradas, 723. Próximo da Serraria Souza Pinto, da Praça da Estação, do Museu de Artes e Ofícios e de outros ilustres vizinhos. Coerente. Começando a se arrumar, simples como convém, ainda rústico e incompleto. Está nascendo, mas já é uma bandeira...  

Para inaugurar, nada mais acertado que uma turma de jovens atores e atrizes, formandos no prestigiado Cefart – Palácio das Artes encenando ECLIPSE SOLAR. Talento e juventude: a mistura explosiva de que a cultura nacional necessita em tempos rotundos.

A experiência, porém, é o tempero que apara arestas, conduz por caminhos seguros e estabelece parâmetros e tons.

Ela está em Ricardo Alves Jr, premiadíssimo diretor de cinema e teatro, que empresta sua habilidade e refinada técnica ao espetáculo de formatura da turma do Cefart. Vindo de festivais de cinema mundo afora e do recente longa metragem “Elon não Acredita na Morte”, foi especialmente convidado pelos formandos para a direção.

O brilhante texto é assinado por Germano Melo, que acumula grande vivência nos palcos e nos roteiros. Em seu portfólio os longas “Elon...” e “Aquarius” dentre outros.

Tudo funciona milimetricamente ajustado. A iluminação é linda, correta, lancinante e sanguínea, como pede o texto e a direção da obra. Corretíssima e adequada.

A escolha musical, ambientada nos anos 70/80, bem como o ambiente punk revelam-se atemporais, inseridos no texto atualíssimo. É uma mistura feérica com o Brasil de 2018 e tudo o que se espera do futuro próximo.

“Total Eclipse of the Hearth” identifica-se não somente pelo título, mas por seu conteúdo, revelado especialmente  no verso “Cause we'll never be wrong”. Afinal, a história tem provado que muitos daqueles tidos como errados são a essência das melhores mudanças. Maravilhosamente dialético. É do que estaremos sedentos proximamente.  

Em “I Love to Love” o perfume da irreverência típica dos anos 70 e 80.

Já no arranjo pesado do Sex Pistols para o clássico “My Way”, um momento alto que arrancou aplausos espontâneos da plateia pela beleza e talento de Pedro Lanna e Bremmer Guimarães.

Mas cá entre nós, o que dizer da extraordinária performance do Pedro Lanna nesse frenético My Way? Inesquecível, emocionante, único. Coisa de roqueiro no Lollapalooza ou no Rock in Rio. Orgulho! Já que as imagens são mais eloquentes que as palavras, no final uma foto do ator nesse momento.

Na interpretação, os atores e atrizes provaram que não passaram esses três anos no Cefart à toa. É uma turma talentosa, que se impõe no canto, na expressão, na dança e na emoção que aflora no ritmo alucinante da iluminação.

Não é peça de formatura. É um projeto pronto para os teatros do país. É denso, caudaloso, talentosíssimo sob todos os aspectos. É caso de patrocínio e divulgação. Pena estarmos no país que passou a se envergonhar da cultura e pretende trocar os incentivos à inteligência pelo rosto gangrenado da censura.      

E o enredo? Atualíssimo, ambientado nos irrequietos anos oitenta. Numa sequência fragmentada, multifacetada e febril, traz temáticas que nos afrontam no dia a dia.

Fala de exílio, fantasma que permeou os anos de chumbo. Fala também das liberdades, essas lindas e fugazes borboletas que necessitam de atenção e que às vezes se escondem sob a forma de feias crisálidas. Fala também de preconceito, esse vírus corrosivo que contamina almas e inverte realidades. É como disse o talentoso diretor: “O desencanto, a melancolia e a nostalgia tornam-se meios de permanecermos sensíveis diante da dureza de nossa época...” Desses sentimentos às vezes depressivos brotam inevitavelmente as melhores emoções, renovadoras e às vezes catárticas que redimem a nação. É como tem sido.

A peça fala também dos expatriados em uma cidade imaginária. Mas expatriados são também aqueles que aqui residem mas daqui não participam. São aqueles que margeiam hospitais sem auferir a cura. São aqueles que dormem nas praças, rodeados pelas confortáveis residências dos eleitos.

É isto. São amedrontados pelo que não têm e pelo que provavelmente jamais terão. São insones porque a escuridão do eclipse os assombra. São excluídos, não obstante se incluam nas estatísticas oficiais.

Tudo isto torna a peça uma feliz e atemporal realidade. Absolutamente imperdível.

Obrigado Bremmer Guimarães, Caroline Cavalcanti, Eduarda Fernandes, Gabriela Veloso, Lorena Fernandes, Lucas Nicoli, Marianna Callais, Pedro Lanna, Paula Amorim, Victor Dornellas, à direção, à dramaturgia, à técnica e a todos que nos concederam o privilégio de assistir a ECLIPSE SOLAR.


Aplaudindo de pé desejo o privilégio de retornar novamente nesta próxima semana.


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

MAIS UM GÊNIO SE VAI: MORRE BERTOLUCCI



Não sabíamos, mas Bernardo Bertolucci tinha um encontro marcado no último dia 26 de novembro com seus companheiros italianos de genialidade no cinema mundial. Certamente estavam esperando por ele Pasolini, Visconti, Rosselini, Fellini e Antonioni.

É um pouco perda de tempo falar de alguém dedicado às artes e de tanta importância nesse cenário. Bom mesmo é assisti-lo e reprisá-lo. Bertolucci mereceu o título de polêmico, tão bem desempenhado em O Último Tango em Paris.

Nunca um pote de manteiga ganhou tantos holofotes... E o que dizer de um alegado estupro rediscutido mais de 40 anos depois? Coisa de Bertolucci.

Lançado em Roma no final de 1972, o Último Tango só conseguiu ser exibido aqui em 1979, por causa da proibição imposta por nosso tacanho departamento de censura. Junto com ele, os operosos censores também impediram a exibição de A Laranja Mecânica, de Kubrick, Estado de Sítio, de Costa-Gavras, Decameron, de Pasolini, e outras tantas obras cinematográficas.

É... a censura... Sempre caminhando oculta ou explicitamente ao lado das artes. É fantasma que tenta assombrar-nos novamente pelo desejo de insones vampiros medievais renascidos de tempestades que se insinuam.

Retornando ao mestre, relembremo-nos também de La Luna, levado às telas no final dos anos 70, tratando do incesto, tema até hoje proibido nas rodas de bate papo?

Mas Bertolucci foi também delicado e leve no belíssimo Beleza Roubada, que expõe um dos cenários mais bonitos do mundo – a Toscana, mais tarde relembrado por Audrey Wells em Sob o Sol da Toscana.

Foi também premiado em diversos festivais pelo mundo afora, incluindo ao 9 Oscars amealhados por O Último Imperador.

Tantas obras importantes, mais de duas dezenas, em um histórico de variedades e importâncias capitais.

O diretor teve ainda a seu lado alguns dos maiores e mais consagrados atores da cinematografia mundial, como Marlon Brando, Maria Schneider, Robert de Niro, Gérard Depardieu, Donald Sutherland, Peter O´Toole, Jeremy Irons, Liv Tyler, John Malkovich, Keanu Reeves, Bridget Fonda, Ugo Tognazzi, Charles Bronson, Henry Fonda, além da belíssima Cláudia Cardinale.

Algumas películas contaram ainda com a música dos consagrados Gato Barbieri e Ennio Morricone. Ao final, os arquivos dos temas de Era Uma Vez... e de Último Tango...

Vá, grande mestre. Quem sabe dá pra sair um novo filme extraordinário sob a condução do eterno e insubstituível time de italianos cineastas que marcou para sempre a sétima arte? 

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Tema de Era uma Vez no Oeste:     https://youtu.be/JY0LYitEVxo

Tema de O Último Tango em Paris:   https://youtu.be/OezsWMTGxPw 

domingo, 11 de novembro de 2018

NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ





É uma obra de 2009, com texto de Bosco Brasil, dirigida por Daniel Filho e brilhantemente encenada por Toni Ramos e Dan Stulbach.

Ambientada no final da Segunda Grande Guerra, relata os diálogos havidos entre Segismundo (Toni Ramos), oficial da alfândega que tinha como função evitar a entrada de nazistas no país. Em seu currículo gabava-se de ser eficiente cumpridor de ordens. Tinha sido torturador como ofício, sob o Estado Novo. Amainada a repressão, temia que suas dezenas de vítimas pudessem dele vingarem-se, uma vez que encontrava-se abandonado pelos antigos chefes.  

Torturar, ferir, mutilar e quebrar ossos eram atividades que cumpria simplesmente porque essas eram suas ordens. Nenhum remorso turvava-lhe a alma. Apenas um senão causava-lhe alguma crise de consciência, fato que é detalhado no filme.

Clausewitz (Stulbach), por sua vez, era um polonês que tentava imigrar para o Brasil, fugido dos horrores da guerra, tendo sido testemunha de mortes ocorridas em sua família e, particularmente de seu querido professor. Ator em sua terra, buscava afirmar-se agricultor para entrar em um país que “precisava de braços para a lavoura”.

Nos diálogos que se desenrolam no filme, a exuberante performance dos dois grandes atores, que imprimem sentimentos vários no expectador, integrando-o na trama, que conta com diálogos memoráveis.

Surpreendente, emocionante e extraordinário é o Monólogo de Segismundo, retirado da obra La Vida es Sueño, de autoria do espanhol  Calderón de la Barca. Uma primorosa atuação de Stulback bem ao estilo clássico em um tema criado no século XVII e que permeia as nossas gerações até hoje.

O tempo é 1945, mas o tema é recorrente: as guerras e as ditaduras. A violência e as torturas de ontem reprisaram-se nos anos de chumbo no Brasil e espreitam sorrateiras nas cadeias e nas mentes de tantos saudosistas de hoje.

Torturar e golpear a democracia são anseios doentios que brotam de algum complexo recôndito que vaga por nossa realidade qual zumbis. A idéia da violência pela violência mostra-se atraente, ainda que tantas experiências traumáticas tenham ocorrido na história.

O ator polonês em Tempos de Paz fugia das atrocidades e deu de cara com outras, didaticamente relatadas pelo oficial autoritário brasileiro. É a sempre presente, porém mal compreendida dialética.

Por tudo isto o filme é digno de ser revisitado e sorvido com absoluta atenção, em silêncio e com todos os sentimentos do expectador disponíveis.

Uma obra prima!

 É assistir, deliciar-se, emocionar-se e quem sabe, verter algumas lágrimas.


O monólogo:




sábado, 22 de setembro de 2018

MARIA, MARIA, ESSA ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA, 40 ANOS DEPOIS




O ano de 1978 viu nascer uma das mais importantes obras musicais da história brasileira – Clube da Esquina 2. Foram parcerias do gigantesco Milton Nascimento com Fernando Brant, Murilo Antunes, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Ruy Guerra, Carlos Drummond de Andrade, Novelli, além de outros autores.

Músicas antológicas, permanecem até hoje em nossa memória cultural e nas programações das mídias, como Nascente, Paixão e Fé, O Que foi Feito Deverá, Canção Amiga, Dona Olímpia e, particularmente, aquela que se tornou o hino de louvor à mulher: Maria, Maria.

Transcorridos 40 anos Bituca lança seu primeiro EP (Extended Play) contendo seis composições, denominado A Festa, cujo clipe baseia-se em Maria, Maria.

Estão presentes no disco, seis composições: Cio da Terra, A Festa, Maria,Maria, Beco do Mota, Cuitelinho e Canção da América, com a voz de Milton o e violão de Wilson Lopes.

No belo clipe, com direção e roteiro de Mateus Senra, (vide endereço ao final), Sophie Charlotte, Camila Pitanga, Zezé Motta, Georgiana Góes e Jéssica Ellen apresentam uma cena femininamente tocante e delicadamente rústica, ao som da eterna Maria, Maria.  

O disco foi lançado e está disponível nas plataformas digitais a partir de ontem, 21 de setembro de 2018. É um lançamento sóbrio, delicado e ornado pela genialidade de Milton, que surpreende sempre, seja acompanhado por uma grande orquestra ou por um violão.

É, mineiramente, um presente de Bituca. Não ouvi-lo seria falta de educação.  


terça-feira, 10 de julho de 2018

𝕊𝕆𝔹 𝔸 ℙ𝔼𝕃𝔼 𝔻𝕆 𝕃𝕆𝔹𝕆



“Bajo la piel del lobo”, mais uma produção com o selo Netflix, lançada em julho de 2018. É uma película espanhola com direção e roteiro de Samu Fuentes e um pequeno elenco, principalmente composto por Mario Casas, Irene Escolar e Ruth Díaz.

O filme é simples, cru, objetivo, mas excelente.

Econômico no elenco, é mais sovina nos diálogos, sendo quase um filme mudo. Também não se preocupa em localizar geograficamente a trama e tampouco em estabelecer um momento histórico. O protagonista usa uma carabina aparentemente fabricada no início do século passado. Só isto.

Nem nome os personagens têm.

Sob a simplicidade do roteiro escondem-se uma precisa direção e uma magnífica fotografia. Esta, dispõe-se em duas vertentes:

- A exuberante paisagem de montanhas geladas e trilhas rústicas.

- A modéstia de uma casa de montanha, despojada e simples, mas  emoldurada por uma sofisticada iluminação, gera momentos fotográficos de intensa beleza. É elegante no ambiente tosco, é o nada produzindo o tudo. Extraordinário.

O personagem principal é um misto de bestialidade e delicadeza. É ogro, mas é também homem. Quase não fala, mas sabe olhar, bufar, respirar com espalhafato e comer como um animal. Sabe também fazer sexo sem cerimônia e tão instintivo quanto o dos cabritos que cria.

O filme nos faz concluir que o cinema espanhol não se resume a Saura e a Almodóvar. Há também Samu Fuentes, até então desconhecido pela maioria.

É inquietante – talvez seja este o adjetivo que mais se adapta ao filme. Ele desconstrói um ideário comum a grande parte de nós, espremidos nas metrópoles e ansiosos por momentos de pacata solidão em geladas e idílicas paisagens.
Em um paraíso romântico também há os contrastes e os dramas. A felicidade não está no local, mas no interior do homem.


Não é filme para todos os gostos, mas certamente o é para os mais exigentes e que buscam no exercício da criatividade e do talento o maior fundamento da cultura.

Experimente o trailler oficial:
https://youtu.be/hB83Blf5LIw


sábado, 30 de junho de 2018

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DA DINAMARCA




Mais de 400 anos nos separam de Shakespeare e seu genial Hamlet, uma das obras literárias de maior expressão da língua inglesa. É uma história de traição, assassinatos, vingança, golpe de Estado, fantasmas e assombrações, loucura, impasses morais, paixões e a derradeira tragédia que coroa drama tão fundamental para a literatura de todos os tempos. 
   
Hamlet é obra complexa, enviesada, repleta de questionamentos existenciais e da incerteza, que são traços da alma humana.

As ambiguidades lá presentes também tornam o notável drama uma obra sempre atual. “Nada em si é bom ou mau, depende daquilo que pensamos.” Nesse momento questões éticas que se entrelaçam com a história, trazendo à consciência do príncipe e também de nós, brasileiros, tantos momentos de incerteza e dubiedade moral.

É nesse contexto que o Palácio das Artes apresenta (no Teatro João Ceschiatti) a peça "Há algo de podre no reino da Dinamarca". A troupe, constituída pelos formandos do curso de teatro do Cefart – Palácio das Artes transporta a história para nosso momento recente, produzindo um espetáculo de alta qualidade e pujante criatividade.

Ponteado por alguns momentos de humor (que se prestam a esfriar a chapa), a trama se revolve em espesso drama, ocasionais situações nonsense e constantes pontos de intersecção entre o drama inglês e momentos da realidade brasileira.

Ditadura, tortura, avanço da direita em tempos recentes e a virtual incerteza nacional com relação a seu futuro são discutidos com o mesmo espírito que norteou Shakespeare em seu drama universal.

As identidades entre ambos percorrem todo o transcurso da apresentação, estando presente no teatro e assistindo à peça até mesmo um fantasma. Não é mais o pai de Hamlet buscando vingança. É uma assombração verde e amarela que, não obstante envolta em brumas existiu e existe e conosco vem convivendo desde a ditadura. Permanece assombrando mentes comodamente assentado entre os expectadores, porém incógnito. Protegido está pelas precárias definições da Lei de Anistia. É fantasma. Mas ainda causa tragédias e tem o poder de intervir até mesmo em discussões atualíssimas de nossa política.

São as ambiguidades e dúvidas de Hamlet que têm conduzido nossa história recente, aqui presentes pelo notório desapego de nós, brasileiros, pelo aprofundamento intelectual e pela análise circunstanciada dos fatos que construíram nossa nação.

Trazem os atores também à pauta questões como homossexualismo, afirmação social da mulher, liberdade de expressão, tudo rodeado por um Hamlet indefinido, inconstante e atemporal, que atravessa os séculos em sua catarse filosófica.

Arrematando as impressões, é precioso notarmos que atores e personagens se misturam. Estes, tratados pelos próprios nomes daqueles, provocam um inusitado – mas profundamente autêntico – comprometimento da troupe com o excelente texto, com a precisa direção e com a própria história que ali está representada.

Não é peça que se assista sob a ótica de “formandos”. São atores em cena, trajados com o figurino histórico, mas vestidos de si mesmos, em um desempenho memorável. Estão maduros e prontos para enfrentar o profundo comprometimento da arte com o país e seus revolvimentos sociais.

Para que serve a arte, afinal? As respostas estão em “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, dispostas entre risos, apreensões, incertezas, relatos e profundo comprometimento com a brasilidade.

Lá está Hamlet, mas também estamos nós, não somente na interação oportunamente provocada com a plateia, mas também pela obrigação de nossas consciências, como partícipes que somos da construção de nosso pais.

É pra assistir, deliciar-se e aplaudir de pé.








sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

MINISTRA CARMEM LÚCIA: É CARA OU COROA?


Abertos os grandiosos portais da mais alta Corte de Justiça do país, guardiã da Constituição Federal por essência e por destino, discursos e personalidades por lá desfilaram. Sua presidente, dentre outros, manifestou-se afirmando:

“(...) O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la.(...)”

Nossa ilustre conterrânea certamente não estava se referindo ao descumprimento, por parte de Renan Calheiros, da decisão que o afastou da presidência do Senado em dezembro de 2016.

Certamente não se referira ao descumprimento, também pelo Senado, da decisão que determinou o afastamento ao também conterrâneo Aécio Neves em junho de 2017. O fato foi noticiado pela Folha de S. Paulo pela manchete “Senado ignora decisão do STF de afastar Aécio Neves do mandato.”

Será a que desacato a Magistrada se referiu?

No atual momento político todas as instituições encontram-se sob bombardeio, ora fruto de indignação popular,  ora fruto de manobras políticas, ora fruto das defesas de particulares interesses.

Com o Poder Judiciário não é diferente Só que compete a ele, em medida extrema, a proteção do arcabouço normativo vigente. No caso do STF, mais ainda. Cabe-lhe também ser fiscal e vigia insone da mais alta instância da legislação pátria – a Constituição Federal.

A nossa CF88 sustenta-se, em particular, por pilares inalienáveis - ou pétreos, como queiram –, sendo um deles o da liberdade irrestrita de opinião.  Nos exatos termos do inciso IX de sei artigo 5º: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Fora disto, só a escuridão da ditadura. Mas a respeitável Ministra aparentemente esqueceu-se da intensidade e da profundidade desses ditames legais.

Afinal, Meritíssima, falar mal é também falar.

Ambas as versões estão solenemente acobertadas pelo direito de livre expressão. Nos casos em que tal exercício afrontar outros direitos também garantidos, a legislação oferece as figuras da injúria, da calúnia ou da difamação, às vezes acompanhadas da responsabilização civil.

Às mais altas autoridades compete a tarefa, às vezes difícil, de compatibilizar sentimentos pessoais e função pública, impedindo que os primeiros maculem o segundo.


São as duas faces da moeda que, jogada ao léu, às vezes dá cara, às vezes coroa. A grandeza do homem público está também em entender que no lanço da moeda, às vezes a cara reflete seu entendimento, mas coroa é imposta por seu cargo, ou vice versa. Aí, desvirá-la é sua obrigação, ainda que seus pensamentos tenham que se quedar ocultos na face que ficou oculta sobre a mesa.