Para os
economistas, Keynes é figurinha carimbada. Não houve acadêmico nas ciências
econômicas, notadamente os que lá estiveram nos conturbados anos 80 (eu, por exemplo)
que não mergulhasse na obra desse inglês. Ponto de referência para os estudos
que se desenvolveram a partir dos anos 30, General theory of employment, interest and money,
foi sua obra vorazmente
dissecada, principalmente por aqueles que não cultuavam o liberalismo de Adam
Smith e seu The
Wealth of Nations.
Não era somente uma luta entre as ideias iluministas e o
pensamento modernizante do século 20. Mais que isto, o embate foi uma tomada de
posição entre a autorregulação do mercado e a importância do Estado na condução
da economia.
Para
Smith o mercado era uma espécie de Hidra de Lerna com suas incontáveis cabeças
que ajustavam todos os elementos constitutivos da economia. Emprego? Salários?
Produção? Tudo se ajeitaria com o movimento às vezes sísmico dos agentes
econômicos de per si, em mágica
coordenação.
Eis que o
crack da bolsa de Nova Iorque em 1930
espalhou a crise econômica por boa parte do mundo. Podemos teorizar que se a
globalização dos mercados operasse naquele momento (como hoje ocorre), os
impactos negativos teriam proporções ainda mais catastróficas. Basta vermos o
temor de recessão mundial hoje alardeado por força da pandemia do Covid 19, em
uma economia que atrelou nações mundo afora. Os teóricos liberais, que dantes buscavam
colher somente louros dessa integração, vêm-se na expectativa de também colher os
malogros.
As ideias
intervencionistas do keynesianismo foram a solução adotada pelas grandes nações
mundo afora para enfrentarem uma crise que se avizinhava global (sem globalização)
nos anos 30.
O
pressuposto é que o Estado, agente maior da economia, injetaria recursos
financeiros dotando os agentes econômicos de condições para manter ou reiniciar
o giro do mercado. Não era mais a Hidra, portanto, que agitaria suas nervosas
cabeças na regulação automática do mercado. Ele estava doente e carecia de
intervenção externa. Keynes venceu.
É irônico
que em um mundo – e um Brasil – em grande parte imerso em brutal liberalismo à
moda de Smith e sob o jugo globalizante dos modos de produção vejamos ressurgir
o velho Maynard.
Mais uma
vez percebemos que a grandeza e a autodeterminação do mercado não são tão
pujantes assim. E lá vem o Estado novamente em socorro da iniciativa privada,
sob pena de uma quebra geral muito mais ampla do que a ocorrida nos primórdios
do século XX. Vejamos:
Na
Espanha as dívidas fiscais estão sendo adiadas por 6 meses e linhas de crédito
subsidiadas estão sendo ofertadas principalmente ao setor de turismo. Isto no
aguardo de um pacote muito maior que será brevemente anunciado.
Na
Itália, o Estado alocará bilhões de euros na ajuda de famílias necessitadas
e/ou desempregadas pela crise. Contas de luz e similares, além de hipotecas e impostos
têm seus vencimentos suspensos temporariamente. Tudo isto sob a promessa de
outras medidas de porte a seguir.
Em
Portugal o governo vai aportar recursos financeiros aos trabalhadores que
necessitem permanecer em suas contas em razão do vírus. Em nível empresarial,
serão estabelecidas linhas de crédito excepcionais para atendimento notadamente
às empresas de turismo, além da suspensão de obrigações fiscais e outras .
Na França
a manutenção dos trabalhadores em casa será parcialmente custeada pelo Estado.
Linhas de crédito subsidiadas também serão disponibilizadas ao mercado. Novas
medidas de porte estão ainda sendo anunciadas.
Nos EUA,
Estado liberal por excelência, o governo promete enviar cheques àqueles que
houverem sido afetados pela crise na saúde, replicada na economia. Bilhões de dólares
são prometidos em injeções na economia, setoriais ou não, no enfrentamento da
recessão que se avizinha.
No
Brasil, lamentavelmente as medidas anunciadas pelo czar da economia são tímidas,
limitando-se à transferência de recursos de apropriados no mercado financeiro,
como liberação de cotas do FGTS. A antecipação de parcelas do 13º também é
medida que aloca recursos que já estão aprovisionados obrigatoriamente por
imposição do orçamento fiscal. Nada de novo. Aqui Smith permanece impávido.
Em nossos
sertões urbanos os Chicago Boys surgidos após os anos 70 retornaram com força
total nos anos 2000. Mas isto já é conversa para outro post. Por ora, ficaremos no curto prazo, moda imposta pela terrível
pandemia que se alastrou pelo mundo capitalista, partindo da China (?).
Terá sido
uma doença do capital?
É como no
pensamento de Keynes:
“O
capitalismo é a crença mais estarrecedora de que o mais insignificante dos
homens fará a mais insignificante das coisas para o bem de todos.”