sexta-feira, 30 de novembro de 2018

MAIS UM GÊNIO SE VAI: MORRE BERTOLUCCI



Não sabíamos, mas Bernardo Bertolucci tinha um encontro marcado no último dia 26 de novembro com seus companheiros italianos de genialidade no cinema mundial. Certamente estavam esperando por ele Pasolini, Visconti, Rosselini, Fellini e Antonioni.

É um pouco perda de tempo falar de alguém dedicado às artes e de tanta importância nesse cenário. Bom mesmo é assisti-lo e reprisá-lo. Bertolucci mereceu o título de polêmico, tão bem desempenhado em O Último Tango em Paris.

Nunca um pote de manteiga ganhou tantos holofotes... E o que dizer de um alegado estupro rediscutido mais de 40 anos depois? Coisa de Bertolucci.

Lançado em Roma no final de 1972, o Último Tango só conseguiu ser exibido aqui em 1979, por causa da proibição imposta por nosso tacanho departamento de censura. Junto com ele, os operosos censores também impediram a exibição de A Laranja Mecânica, de Kubrick, Estado de Sítio, de Costa-Gavras, Decameron, de Pasolini, e outras tantas obras cinematográficas.

É... a censura... Sempre caminhando oculta ou explicitamente ao lado das artes. É fantasma que tenta assombrar-nos novamente pelo desejo de insones vampiros medievais renascidos de tempestades que se insinuam.

Retornando ao mestre, relembremo-nos também de La Luna, levado às telas no final dos anos 70, tratando do incesto, tema até hoje proibido nas rodas de bate papo?

Mas Bertolucci foi também delicado e leve no belíssimo Beleza Roubada, que expõe um dos cenários mais bonitos do mundo – a Toscana, mais tarde relembrado por Audrey Wells em Sob o Sol da Toscana.

Foi também premiado em diversos festivais pelo mundo afora, incluindo ao 9 Oscars amealhados por O Último Imperador.

Tantas obras importantes, mais de duas dezenas, em um histórico de variedades e importâncias capitais.

O diretor teve ainda a seu lado alguns dos maiores e mais consagrados atores da cinematografia mundial, como Marlon Brando, Maria Schneider, Robert de Niro, Gérard Depardieu, Donald Sutherland, Peter O´Toole, Jeremy Irons, Liv Tyler, John Malkovich, Keanu Reeves, Bridget Fonda, Ugo Tognazzi, Charles Bronson, Henry Fonda, além da belíssima Cláudia Cardinale.

Algumas películas contaram ainda com a música dos consagrados Gato Barbieri e Ennio Morricone. Ao final, os arquivos dos temas de Era Uma Vez... e de Último Tango...

Vá, grande mestre. Quem sabe dá pra sair um novo filme extraordinário sob a condução do eterno e insubstituível time de italianos cineastas que marcou para sempre a sétima arte? 

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Tema de Era uma Vez no Oeste:     https://youtu.be/JY0LYitEVxo

Tema de O Último Tango em Paris:   https://youtu.be/OezsWMTGxPw 

domingo, 11 de novembro de 2018

NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ





É uma obra de 2009, com texto de Bosco Brasil, dirigida por Daniel Filho e brilhantemente encenada por Toni Ramos e Dan Stulbach.

Ambientada no final da Segunda Grande Guerra, relata os diálogos havidos entre Segismundo (Toni Ramos), oficial da alfândega que tinha como função evitar a entrada de nazistas no país. Em seu currículo gabava-se de ser eficiente cumpridor de ordens. Tinha sido torturador como ofício, sob o Estado Novo. Amainada a repressão, temia que suas dezenas de vítimas pudessem dele vingarem-se, uma vez que encontrava-se abandonado pelos antigos chefes.  

Torturar, ferir, mutilar e quebrar ossos eram atividades que cumpria simplesmente porque essas eram suas ordens. Nenhum remorso turvava-lhe a alma. Apenas um senão causava-lhe alguma crise de consciência, fato que é detalhado no filme.

Clausewitz (Stulbach), por sua vez, era um polonês que tentava imigrar para o Brasil, fugido dos horrores da guerra, tendo sido testemunha de mortes ocorridas em sua família e, particularmente de seu querido professor. Ator em sua terra, buscava afirmar-se agricultor para entrar em um país que “precisava de braços para a lavoura”.

Nos diálogos que se desenrolam no filme, a exuberante performance dos dois grandes atores, que imprimem sentimentos vários no expectador, integrando-o na trama, que conta com diálogos memoráveis.

Surpreendente, emocionante e extraordinário é o Monólogo de Segismundo, retirado da obra La Vida es Sueño, de autoria do espanhol  Calderón de la Barca. Uma primorosa atuação de Stulback bem ao estilo clássico em um tema criado no século XVII e que permeia as nossas gerações até hoje.

O tempo é 1945, mas o tema é recorrente: as guerras e as ditaduras. A violência e as torturas de ontem reprisaram-se nos anos de chumbo no Brasil e espreitam sorrateiras nas cadeias e nas mentes de tantos saudosistas de hoje.

Torturar e golpear a democracia são anseios doentios que brotam de algum complexo recôndito que vaga por nossa realidade qual zumbis. A idéia da violência pela violência mostra-se atraente, ainda que tantas experiências traumáticas tenham ocorrido na história.

O ator polonês em Tempos de Paz fugia das atrocidades e deu de cara com outras, didaticamente relatadas pelo oficial autoritário brasileiro. É a sempre presente, porém mal compreendida dialética.

Por tudo isto o filme é digno de ser revisitado e sorvido com absoluta atenção, em silêncio e com todos os sentimentos do expectador disponíveis.

Uma obra prima!

 É assistir, deliciar-se, emocionar-se e quem sabe, verter algumas lágrimas.


O monólogo: