domingo, 9 de dezembro de 2018

ECLIPSE SOLAR - A ESCURIDÃO QUE NÃO PERMITIREMOS


Era uma vez alguém que enxergou na cultura brasileira o caminho de nossa independência e realização como povo e fundamentalmente como nação. Esse era João das Neves, que em sua vida respirou teatro e musicais, enriquecendo a cena cultural deste país.

Prêmio Molière? Vários. Outros prêmios? Um monte deles. Grupos de teatro? Fundou um dos mais importantes: o Opinião. Boas companhias? Dirigiu Milton e Chico, dentre outros. Casamento? Com a nossa mineiríssima Titane. Atitude política? Em todo o seu histórico, mesmo sob o jugo da ditadura militar.

Virou estrela, como diria o Tutti. Mas deixou o imenso rastro de sua passagem por aqui. Agora, nada mais coerente que dar à luz um novo teatro em BH: é o TEATRO JOÃO DAS NEVES, ali na av. dos Andradas, 723. Próximo da Serraria Souza Pinto, da Praça da Estação, do Museu de Artes e Ofícios e de outros ilustres vizinhos. Coerente. Começando a se arrumar, simples como convém, ainda rústico e incompleto. Está nascendo, mas já é uma bandeira...  

Para inaugurar, nada mais acertado que uma turma de jovens atores e atrizes, formandos no prestigiado Cefart – Palácio das Artes encenando ECLIPSE SOLAR. Talento e juventude: a mistura explosiva de que a cultura nacional necessita em tempos rotundos.

A experiência, porém, é o tempero que apara arestas, conduz por caminhos seguros e estabelece parâmetros e tons.

Ela está em Ricardo Alves Jr, premiadíssimo diretor de cinema e teatro, que empresta sua habilidade e refinada técnica ao espetáculo de formatura da turma do Cefart. Vindo de festivais de cinema mundo afora e do recente longa metragem “Elon não Acredita na Morte”, foi especialmente convidado pelos formandos para a direção.

O brilhante texto é assinado por Germano Melo, que acumula grande vivência nos palcos e nos roteiros. Em seu portfólio os longas “Elon...” e “Aquarius” dentre outros.

Tudo funciona milimetricamente ajustado. A iluminação é linda, correta, lancinante e sanguínea, como pede o texto e a direção da obra. Corretíssima e adequada.

A escolha musical, ambientada nos anos 70/80, bem como o ambiente punk revelam-se atemporais, inseridos no texto atualíssimo. É uma mistura feérica com o Brasil de 2018 e tudo o que se espera do futuro próximo.

“Total Eclipse of the Hearth” identifica-se não somente pelo título, mas por seu conteúdo, revelado especialmente  no verso “Cause we'll never be wrong”. Afinal, a história tem provado que muitos daqueles tidos como errados são a essência das melhores mudanças. Maravilhosamente dialético. É do que estaremos sedentos proximamente.  

Em “I Love to Love” o perfume da irreverência típica dos anos 70 e 80.

Já no arranjo pesado do Sex Pistols para o clássico “My Way”, um momento alto que arrancou aplausos espontâneos da plateia pela beleza e talento de Pedro Lanna e Bremmer Guimarães.

Mas cá entre nós, o que dizer da extraordinária performance do Pedro Lanna nesse frenético My Way? Inesquecível, emocionante, único. Coisa de roqueiro no Lollapalooza ou no Rock in Rio. Orgulho! Já que as imagens são mais eloquentes que as palavras, no final uma foto do ator nesse momento.

Na interpretação, os atores e atrizes provaram que não passaram esses três anos no Cefart à toa. É uma turma talentosa, que se impõe no canto, na expressão, na dança e na emoção que aflora no ritmo alucinante da iluminação.

Não é peça de formatura. É um projeto pronto para os teatros do país. É denso, caudaloso, talentosíssimo sob todos os aspectos. É caso de patrocínio e divulgação. Pena estarmos no país que passou a se envergonhar da cultura e pretende trocar os incentivos à inteligência pelo rosto gangrenado da censura.      

E o enredo? Atualíssimo, ambientado nos irrequietos anos oitenta. Numa sequência fragmentada, multifacetada e febril, traz temáticas que nos afrontam no dia a dia.

Fala de exílio, fantasma que permeou os anos de chumbo. Fala também das liberdades, essas lindas e fugazes borboletas que necessitam de atenção e que às vezes se escondem sob a forma de feias crisálidas. Fala também de preconceito, esse vírus corrosivo que contamina almas e inverte realidades. É como disse o talentoso diretor: “O desencanto, a melancolia e a nostalgia tornam-se meios de permanecermos sensíveis diante da dureza de nossa época...” Desses sentimentos às vezes depressivos brotam inevitavelmente as melhores emoções, renovadoras e às vezes catárticas que redimem a nação. É como tem sido.

A peça fala também dos expatriados em uma cidade imaginária. Mas expatriados são também aqueles que aqui residem mas daqui não participam. São aqueles que margeiam hospitais sem auferir a cura. São aqueles que dormem nas praças, rodeados pelas confortáveis residências dos eleitos.

É isto. São amedrontados pelo que não têm e pelo que provavelmente jamais terão. São insones porque a escuridão do eclipse os assombra. São excluídos, não obstante se incluam nas estatísticas oficiais.

Tudo isto torna a peça uma feliz e atemporal realidade. Absolutamente imperdível.

Obrigado Bremmer Guimarães, Caroline Cavalcanti, Eduarda Fernandes, Gabriela Veloso, Lorena Fernandes, Lucas Nicoli, Marianna Callais, Pedro Lanna, Paula Amorim, Victor Dornellas, à direção, à dramaturgia, à técnica e a todos que nos concederam o privilégio de assistir a ECLIPSE SOLAR.


Aplaudindo de pé desejo o privilégio de retornar novamente nesta próxima semana.


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