Era
uma vez alguém que enxergou na cultura brasileira o caminho de nossa
independência e realização como povo e fundamentalmente como nação. Esse era
João das Neves, que em sua vida respirou teatro e musicais, enriquecendo a cena
cultural deste país.
Prêmio
Molière? Vários. Outros prêmios? Um monte deles. Grupos de teatro? Fundou um
dos mais importantes: o Opinião. Boas companhias? Dirigiu Milton e Chico,
dentre outros. Casamento? Com a nossa mineiríssima Titane. Atitude política? Em
todo o seu histórico, mesmo sob o jugo da ditadura militar.
Virou
estrela, como diria o Tutti. Mas deixou o imenso rastro de sua passagem por
aqui. Agora, nada mais coerente que dar à luz um novo teatro em BH: é o TEATRO
JOÃO DAS NEVES, ali na av. dos Andradas, 723. Próximo da Serraria Souza Pinto,
da Praça da Estação, do Museu de Artes e Ofícios e de outros ilustres vizinhos.
Coerente. Começando a se arrumar, simples como convém, ainda rústico e
incompleto. Está nascendo, mas já é uma bandeira...
Para
inaugurar, nada mais acertado que uma turma de jovens atores e atrizes,
formandos no prestigiado Cefart – Palácio das Artes encenando ECLIPSE SOLAR. Talento e juventude: a
mistura explosiva de que a cultura nacional necessita em tempos rotundos.
A
experiência, porém, é o tempero que apara arestas, conduz por caminhos seguros
e estabelece parâmetros e tons.
Ela
está em Ricardo Alves Jr, premiadíssimo diretor de cinema e teatro, que
empresta sua habilidade e refinada técnica ao espetáculo de formatura da turma
do Cefart. Vindo de festivais de cinema mundo afora e do recente longa metragem
“Elon não Acredita na Morte”, foi especialmente convidado pelos formandos para
a direção.
O
brilhante texto é assinado por Germano Melo, que acumula grande vivência nos
palcos e nos roteiros. Em seu portfólio os longas “Elon...” e “Aquarius” dentre
outros.
Tudo
funciona milimetricamente ajustado. A iluminação é linda, correta, lancinante e
sanguínea, como pede o texto e a direção da obra. Corretíssima e adequada.
A
escolha musical, ambientada nos anos 70/80, bem como o ambiente punk revelam-se
atemporais, inseridos no texto atualíssimo. É uma mistura feérica com o Brasil de
2018 e tudo o que se espera do futuro próximo.
“Total
Eclipse of the Hearth” identifica-se não somente pelo título, mas por seu
conteúdo, revelado especialmente no verso
“Cause we'll never be wrong”. Afinal, a história tem provado que muitos
daqueles tidos como errados são a essência das melhores mudanças.
Maravilhosamente dialético. É do que estaremos sedentos proximamente.
Em
“I Love to Love” o perfume da irreverência típica dos anos 70 e 80.
Já
no arranjo pesado do Sex Pistols para o clássico “My Way”, um momento alto que
arrancou aplausos espontâneos da plateia pela beleza e talento de Pedro Lanna e
Bremmer Guimarães.
Mas
cá entre nós, o que dizer da extraordinária performance do Pedro Lanna nesse frenético
My Way? Inesquecível, emocionante, único. Coisa de roqueiro no Lollapalooza ou
no Rock in Rio. Orgulho! Já que as imagens são mais eloquentes que as palavras,
no final uma foto do ator nesse momento.
Na
interpretação, os atores e atrizes provaram que não passaram esses três anos no
Cefart à toa. É uma turma talentosa, que se impõe no canto, na expressão, na
dança e na emoção que aflora no ritmo alucinante da iluminação.
Não
é peça de formatura. É um projeto pronto para os teatros do país. É denso,
caudaloso, talentosíssimo sob todos os aspectos. É caso de patrocínio e
divulgação. Pena estarmos no país que passou a se envergonhar da cultura e
pretende trocar os incentivos à inteligência pelo rosto gangrenado da censura.
E
o enredo? Atualíssimo, ambientado nos irrequietos anos oitenta. Numa sequência
fragmentada, multifacetada e febril, traz temáticas que nos afrontam no dia a dia.
Fala
de exílio, fantasma que permeou os anos de chumbo. Fala também das liberdades,
essas lindas e fugazes borboletas que necessitam de atenção e que às vezes se
escondem sob a forma de feias crisálidas. Fala também de preconceito, esse vírus
corrosivo que contamina almas e inverte realidades. É como disse o talentoso
diretor: “O desencanto, a melancolia e a nostalgia tornam-se meios de
permanecermos sensíveis diante da dureza de nossa época...” Desses sentimentos
às vezes depressivos brotam inevitavelmente as melhores emoções, renovadoras e
às vezes catárticas que redimem a nação. É como tem sido.
A
peça fala também dos expatriados em uma cidade imaginária. Mas expatriados são
também aqueles que aqui residem mas daqui não participam. São aqueles que
margeiam hospitais sem auferir a cura. São aqueles que dormem nas praças,
rodeados pelas confortáveis residências dos eleitos.
É
isto. São amedrontados pelo que não têm e pelo que provavelmente jamais terão.
São insones porque a escuridão do eclipse os assombra. São excluídos, não obstante
se incluam nas estatísticas oficiais.
Tudo
isto torna a peça uma feliz e atemporal realidade. Absolutamente imperdível.
Obrigado
Bremmer Guimarães, Caroline Cavalcanti, Eduarda Fernandes, Gabriela Veloso, Lorena Fernandes, Lucas Nicoli, Marianna Callais, Pedro Lanna, Paula Amorim, Victor Dornellas, à direção, à dramaturgia, à técnica e a todos que nos concederam o privilégio de assistir a ECLIPSE SOLAR.
Aplaudindo de
pé desejo o privilégio de retornar novamente nesta próxima semana.
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