Uma grata surpresa para este domingo morno, meio verão, meio
inverno, cinzento e mofado, foi a exibição pelo CANAL BRASIL de um filme
produzido pela grandeza do cinema brasileiro: NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ,
ou simplesmente TEMPOS DE PAZ.
É uma obra de 2009, com texto de Bosco Brasil, dirigida por Daniel
Filho e brilhantemente encenada por Toni Ramos e Dan Stulbach.
Ambientada no final da Segunda Grande Guerra, relata os diálogos
havidos entre Segismundo (Toni Ramos), oficial da alfândega que tinha como
função evitar a entrada de nazistas no país. Em seu currículo gabava-se de ser
eficiente cumpridor de ordens. Tinha sido torturador como ofício, sob o Estado
Novo. Amainada a repressão, temia que suas dezenas de vítimas pudessem dele
vingarem-se, uma vez que encontrava-se abandonado pelos antigos chefes.
Torturar, ferir, mutilar e quebrar ossos eram atividades que cumpria
simplesmente porque essas eram suas ordens. Nenhum remorso turvava-lhe a alma.
Apenas um senão causava-lhe alguma crise de consciência, fato que é detalhado
no filme.
Clausewitz (Stulbach), por sua vez, era um polonês que tentava
imigrar para o Brasil, fugido dos horrores da guerra, tendo sido testemunha de
mortes ocorridas em sua família e, particularmente de seu querido professor.
Ator em sua terra, buscava afirmar-se agricultor para entrar em um país que “precisava
de braços para a lavoura”.
Nos diálogos que se desenrolam no filme, a exuberante performance
dos dois grandes atores, que imprimem sentimentos vários no expectador,
integrando-o na trama, que conta com diálogos memoráveis.
Surpreendente,
emocionante e extraordinário é o Monólogo de Segismundo, retirado da obra La
Vida es Sueño, de autoria do espanhol Calderón de la Barca. Uma primorosa atuação de
Stulback bem ao estilo clássico em um tema criado no século XVII e que permeia
as nossas gerações até hoje.
O tempo é 1945, mas o tema é recorrente: as guerras e as ditaduras.
A violência e as torturas de ontem reprisaram-se nos anos de chumbo no Brasil e
espreitam sorrateiras nas cadeias e nas mentes de tantos saudosistas de hoje.
Torturar e golpear a democracia são anseios doentios que brotam de
algum complexo recôndito que vaga por nossa realidade qual zumbis. A idéia da
violência pela violência mostra-se atraente, ainda que tantas experiências
traumáticas tenham ocorrido na história.
O ator polonês em Tempos de Paz fugia das atrocidades e deu de cara
com outras, didaticamente relatadas pelo oficial autoritário brasileiro. É a
sempre presente, porém mal compreendida dialética.
Por tudo isto o filme é digno de ser revisitado e sorvido com absoluta
atenção, em silêncio e com todos os sentimentos do expectador disponíveis.
Uma obra prima!
É assistir, deliciar-se,
emocionar-se e quem sabe, verter algumas lágrimas.
O
monólogo:
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