terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O menino perdido


Pablo Neruda

Lenta infância de onde 
como de um pasto comprido 
cresce o duro pistilo, 
a madeira do homem. 
Quem fui? O que fui? O que fomos? 
Não há resposta. Passamos. 
Não fomos. Éramos. Outros pés, 
outras mãos, outros olhos. 
Tudo foi mudando folha por folha, 
na árvore. E em ti? Mudou a tua pele, 
o teu cabelo, a tua memória. Aquele que não foste. 
Aquele foi um menino que passou correndo 
atrás de um rio, de uma bicicleta, 
e com o movimento 
foi-se a tua vida com aquele minuto. 
A falsa identidade seguiu os teus passos. 
Dia a dia as horas se amarraram, 
mas tu já não foste, veio o outro, 
o outro tu, e o outro até que foste, 
até que te arrancaste 
do próprio passageiro, 
do trem, dos vagões da vida, 
da substituição, do caminhante. 
A máscara do menino foi mudando, 
emagreceu a sua condição enfermiça, 
aquietou-se o seu volúvel poderio: 
o esqueleto se manteve firme, 
a construção do osso se manteve, 
o sorriso, 
o passo, o gesto voador, o eco 
daquele menino nu 
que saiu de um relâmpago, 
mas foi o crescimento como um traje! 
Era outro o homem e o levou emprestado. 
Assim aconteceu comigo. 
De silveste 
cheguei a cidade, a gás, a rostos cruéis 
que mediram a minha luz e a minha estatura, 
cheguei a mulheres que em mim se procuraram 
como se a mim tivessem perdido, 
e assim foi sucedendo 
o homem impuro, 
filho do filho puro, 
até que nada foi como tinha sido, 
e de repente apareceu no meu rosto 
um rosto de estrangeiro 
e era também eu mesmo: 
era eu que crescia, 
era tu que crescias, 
era tudo, 
e mudamos 
e nunca mais soubemos quem éramos, 
e às vezes recordamos 
aquele que viveu em nós 
e lhe pedimos algo, talvez que se recorde de nós, 
que saiba pelo menos que fomos ele, que falamos 
com a sua língua, 
mas das horas consumidas 
aquele nos olha e não nos reconhece.

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