sábado, 21 de abril de 2012

A visita



                                                                                                            Sílvio Lanna

A solidão apertava mais uma vez.

Sentia-se exilado do mundo, perdido em vãos pensamentos que mais uma vez repetiam-se insistentes.  Noite de sábado, até um pouco de vento tentava trazer-lhe algum conforto, mas a angústia crescia tomando-lhe pulsos e tornozelos imobilizando-o, derramado que estava na velha poltrona.


Tentava trazer à mente as doces recordações do tempo em que ainda era útil e respeitado. Mas nada que refluía de sua mente cansada possuía algum sabor adocicado. Eram só lembranças amargas ou tornadas assim pelo despejar seguido dos anos que se acumulavam em sua alma.


Da casa vizinha um também solitário piano desafiava acordes que resvalavam nos batentes, paredes e gelosias, derrubando-se intrometidos em seus ouvidos. 


Era a mulher de seu Orquídio, homem mau que só lhe dedicava olhares de desprezo e com quem jamais trocou qualquer dedo de prosa. 


Talvez ela também fosse solitária como ele ou como o piano que esticava seus agudos na tentativa de permanecer mais alguns segundos pairando no ar. No fundo era como ele também fazia: esticava sua vida na esperança de que seu estado de só pudesse um dia cobrir-se de algum consolo.


Não foi sempre assim, antes era bom. Já possuiu motivos para sorrir e as lágrimas que alguma vez lhe brotaram eram de puro amor, um amor tão intenso que jamais deveria ter nascido.


Mas o tempo passa e com ele vão se desgarrando as alegrias, as companhias, os sorrisos e o coração vai ficando mais pesado. Passa a bater descompassado, triste também, com a responsabilidade de carregar tantos fardos que às vezes imagina não suportar. 


Esquece o ritmo e por vezes ameaça parar. É assim que responde, também solitário, à falta do calor de um abraço ou do conforto de um afago que antes o faziam acelerar-se de emoção até quase brotar pela boca.


O velho piano insistia em revoar seus acordes belos e tristes, espetando como agulhas e fazendo borbulhar ainda mais as recordações que libertavam tantas lágrimas. 


De onde estava olhou mais uma vez pela janela entreaberta que descortinava um pedaço do mal cuidado jardim. Mais à frente um portãozinho verde mantinha-se fechado. O relógio implacável já caminhava para as dez da noite. 


Não, novamente ele não virá...  


2 comentários:

  1. As recordações tanto podem nos fazer felizes como infelizes , mas ainda assim não consigo imaginar como seria a vida de uma pessoa que passou pela vida sem se dar conta da importância de viver cada momento como um presente de Deus. A angústia, a solidão, a velhice, enfim tudo isso chegará para nós , mais o importante é ter do que se recordar.
    Parabéns pela bela crônica!
    Maria Luzia

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  2. Maria de Lourdes Furtado de Oliveira10 de junho de 2012 às 17:27

    Adorei, Silvio! Beijos

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